sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Lar das Vovozinhas

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UM POUCO DO SEU CORAÇÃO


Cheguei ao Abrigo deixada por minha filha, não podia cuidar de mim sempre, tinha que trabalhar cuidar de filhos. O marido também não ajudava muito. E eu já começava a dar sinais de cansaço, expressando-se em esquecimentos e outras “maniazinhas de velho”. Meio um eletrodoméstico que vai se quebrando aos poucos,  vamos sendo deixados no canto. Mas não a culpo, iria ser dispendioso alguém pra cuidar de mim e ainda da casa e da meninada. Bom, mas superado o primeiro momento de chegada,  que por mais que sufoquemos resignadas,  é de dor e recheado de promessas de estarem sempre ali nos visitando, fui me adequando como pude ao ambiente. Muitas diferenças. Tudo muito sistematizado pra ser prático.  Roupas nossas num imenso guarda roupa embutido na parede todo revestido de azulejo com prateleiras divididas em compartimentozinhos onde figurava o nome e as respectivas roupas de cada uma de nós, muito organizado e limpo. Hora da comida, em duas imensas mesas, são distribuídos  bandejinhas todas iguais com nossos nomes  e na posição  correspondente  a cada cadeira usada sempre pela mesma vó (é assim que nos chamam carinhosamente quando não sabem nosso nome). O prato sempre variado a cada dia mas sempre o mesmo pra todas, salvo aquelas com problema de saúde ou coisa assim como diabetes que tem sempre que se ter mais cuidados. Tudo muito sistemático pra facilitar a vida de todos ali, funcionários e nós, afinal não dá pra ser especial pra cada uma. No imenso corredor de sofás onde aos domingos ou dias festivos escoam as visitas em burburinho, ficamos a descansar, assistir TV, cochilar conversar ou observar a vida monótona  dos funcionários nas suas lidas à nossa volta.  A convivência entre nós vovós se não é difícil, pelo desdobrar-se dos funcionários e voluntários no que podem fazer por nós,  também não é esse doce todo não, nós, umas com as outras guardamos muitas diferenças, ciúmes e incompreensão a começar pelas diferentes estórias de vida e a forma traumática como muitas encaram estar ali. Não é fácil. Não é por que somos velhinhas que somos santas. Muitas guardam rancores de familiares por serem simplesmente abandonadas, desapropriadas de suas casas e nunca mais recebem sequer uma visita, e por sofrerem, sem perceberem ou mesmo quererem, expressam em comportamentos hostis suas personalidades, sem máscaras. Coisas que a educação e a fineza da vida social disfarçavam, ali se exteriorizam até mesmo por defesa.  Outras que são um “anjo”, e por mais que façam por elas, quando sua família vem visitar dizem horrores da casa em chantagem pra serem levadas de volta pra convivência em família. Acredito que crianças em orfanatos desenvolvam vida afetiva e formem grupos, mas não é muito assim conosco, idosos, pra nós família é a que ficou pra trás, que está nos retratos, filhos, netos, parentes, que compartilharam nossas emoções em momentos tristes ou felizes. Pelas atividades festivas, administração eficiente, carinhosas presenças, encontramos espaço pra um pouco de afeto e tranquilidade, mas algumas de nós têm dificuldades imensas de socialização. Não é fácil pra nós....

É claro que no nosso lar temos comida exclusiva, afetos, carinhos, roupas de conformidade com nosso gosto, ou pelo menos deveria ser assim, isso é o ideal e por mais que fiquemos velhos desejamos isso,  e essa esperança morre de vez quando nos achamos aqui. Pois é, para onde vamos depois daqui!? Entendo o desespero das colegas e respeito, não é fácil a lição divina. Mas não reclamo de nada, penso sempre que se não fosse assim, para mim, seria pior. Onde vou encontrar um lar com prevenção médica o tempo todo? Se há uma queda de pressão ou incidente a enfermeira está pronta ali pra nos auxiliar. Embora sistematizado, o prato quente e saboroso tá na mesa, uma a uma de nós toma banho com  seus produtos de higiene pessoal e sempre com auxilio de uma enfermeira caso seja a vó mais dependente.  É certo que lá e cá migalhamos com essa ou aquela visita ou funcionário uma atenção a mais, na intenção de um afeto exclusivo, e  vamos compensando como podemos pra sermos felizes com o que Deus nos oferece agora. Como já disse não somos santas por sermos velhas! Outro dia uma das vozinhas  mais elegantes, mãe de uma advogada, olhos azuis, que humilhava muito as outras com seus presentes e visitas chiquérrimas, atirou para um visitante, um rapaz negro muito sorridente que a cumprimentava: ele é muito simpático mas é um “neguinho”, né?! ao que todos nós rimos pra quebrar o gelo; ela era assim,  preconceituosa e vaidosa da cor, da família rica, etc. Agora pergunto será que foi por necessidade financeira que colocaram ela aqui?  Será que sua filha ou neto foram criados por ela com esses valores  que ela, embora idosa, ainda demonstra ter? Certamente que sim! Agora certamente a estada dela aqui é fruto do que ela mesma plantou. Com esses valores que neto vai andar com sua vó encarquilhadinha num shopping Center!? É certo que nada justifica o abandono, mas nós podemos piorar consideravelmente nossa condição aqui na terra por não abandonarmos falsos valores, e sermos vitimas de nós mesmos no futuro.  Agradeço sempre a Deus as visitas, as mãos amigas nas doenças, quando chove e eu no quarto quentinho  que divido com  outras tantas. Se não é  o ideal é o que de melhor no momento Deus me reserva e agradeço as mão socorristas desses que se fazem representantes De-le quando nos brindam com uma visita uma doação,  um pouco de seu coração.

Por Ricardo Souto




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Horários de visitação às vovozinhas no Abrigo Espírita Batista de Carvalho
Domingo
Feriado
De 14:00h às 17:00h
De 14:00h às 17:00h


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Nova fachada do Abrigo






Antiga fachada do Abrigo

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